sábado, 14 de maio de 2011

Bodas

Era o aniversário de casamento deles. Cinco anos. Já era noite e a menina dormiria na casa da avó para que os pais pudessem desfrutar de um momento a dois, já tão raro.

Estava ela ainda às voltas com o artigo para o jornal do dia seguinte, comentando os últimos escândalos do governo. Era importante, valia sua promoção. Era só finalizar e enviar por email.

-Rapidinho, meu bem!

-Deixe que eu preparo o jantar hoje. Estou cheio de ideias pra esta noite.

-Amo você!

E ela continuou a escrever, rápida em seu computador, dava a entender ao marido que aquele trabalho realmente seria concluído em instantes. Foi quando começou a crise de criatividade. Ela pensava nos fatos, revia as notícias e simplesmente não conseguia formar uma opinião que valesse um artigo.

Ele, chef de cozinha de um restaurante italiano, sempre cheio de ideias, preparava na cozinha mais um de seus molhos especiais, receita exclusiva. Já tinha um cardápio exclusivo montado, mas o patrão não aprovara por medo de perder a clientela. Manteve-se o cardápio antigo. Mas a inspiração nunca faltava, e naquele dia, especialmente inspirado, embevecido de amor à mulher que escolhera para toda a vida e cheio de expectativa para aquela noite, criava uma nova receita.

Depois de muito pensar, finalmente um raciocínio lógico, uma ideia que apareceu como um flash lhe trazia de volta a lei que havia sido descumprida. Tecia todo um comentário baseado em leis e em propostas de governos não atendidas. Aquele era realmente um escândalo digno de notícias e artigos.

Finalmente. O melhor artigo de sua vida estava pronto...

E uma queda de energia acabou com todo o trabalho. Não conseguiu outra coisa senão rir, rir muito e chorar, como nunca antes havia chorado. Era o trabalho que lhe valia o reconhecimento pelo qual lutava havia anos!

O marido, vendo seu desespero, tentou consolá-la, mas o que ele entendia de artigos? Era um cozinheirozinho que se metia a chef. Ele que não se intrometesse. Onde já se viu dizer que tudo ficaria bem?

Entraram com o pedido de divórcio naquela semana.

Um ano depois, a imagem do sucesso: Tudo realmente ficou bem.

Ela fora promovida mesmo sem o artigo. Era uma excelente profissional e merecia a promoção. Ganhara o cargo de editora-chefe. Tremenda responsabilidade.

Ele também progrediu. Saiu do restaurante italiano que tinha medo de perder os clientes e abriu o seu, com suas ideias e seu cardápio exclusivo. Um restaurante experimental. Tremenda responsabilidade.

Quanto à menina? Ainda está com a avó. Até hoje.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Poesia

Tem que ser meio poeta para olhar a vida e não se desesperar com ela, ou se desesperar talvez, e chorar num lamento ou rir num frenesi, mas sim, tem que ser meio poeta para enxergar nas pessoas qualquer traço do sublime, do belo, para perceber na multidão uma porção de nuances, de histórias as mais fascinantes, para notar num relance que uma criança está sorrindo (e elas sempre estão sorrindo).

Tem que ser meio poeta para olhar no olho, dar um abraço, apertar a mão. O toque é a demonstração de que um corpo precisa do outro. Tem que ser meio poeta para sentir isso, para precisar disso. Sim, tem que ser meio poeta para amar as pessoas. Não o amor egoísta do "eu te amo", mas o amor mais bonito que diz: "estou aqui" e: "quer ajuda?". Tem que ser meio poeta porque tudo é tão mais simples, tudo uma hora se resolve. Há que se acreditar nisso para viver.

Tem que ser meio poeta para lamentar as desgraças do mundo, para se alegrar nas conquistas dos outros. Tem que ser meio poeta para acreditar que há mais, muito mais, e que aquilo que se vê é distorcido. Tem que ser meio poeta para entender que sempre existe um lado bom, e que nem tudo acaba quando acaba: sempre tem alguma coisa começando.

Bruna Girão

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