quarta-feira, 20 de outubro de 2010

eu sou como a dona aranha
subi, subi, subi,
mas aí veio a chuva forte
e me derrubou.

A chuva passou
e o sol já surgiu
mas agora eu tô com medo de subir.

Bruna Girão

quinta-feira, 17 de junho de 2010

FELICIDADE

Ela bem queria um dia, uma única vez lembrar aquilo que a fazia infeliz... Mas ela não podia... Tão irremediavelmente anestesiada que era feliz o tempo todo.


Será que havia motivos para fazê-la chorar? Provavelmente não:

Na infância:

“Que picolé gostoso”

–Me dá esse picolé. – dizia o amiguinho que sempre queria as coisas dos outros.

“Toma” (e ela já se distraía com uma formiga que ia passando)

Na adolescência:

Pessoas rindo, conversando, estudando...

“Posso me sentar aqui?”

–Não. Este lugar está ocupado. Sai daqui.

...

“Escrevi esta carta para você”

(tempo de leitura) (risada sarcástica)

–Meu amor... Vê se te enxerga!

Ela não teve muitos problemas com amigos ou namorados...

Na idade adulta:

“Aqui está o meu currículo”

–Sinto muito, você não se encaixa no perfil (A loja de roupas)

...

“Oi, vim deixar o meu currículo”

– Desculpe, mas a vaga já foi preenchida. (Recepção de consultório médico)

...

“Vocês estão recebendo currículos?”

–Não. (Outro estabelecimento qualquer)

Ela também não teve problemas no trabalho.

E viveu assim, sem problemas, todos os dias de sua vida. Ela era realmente uma mulher feliz.

Bruna Girão

segunda-feira, 14 de junho de 2010

[...]
Tenho a impressão
que já disse tudo.
E tudo foi tão de repente.

Paulo Leminski

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Ne me quitte pas

Eu estava com raiva. Dele. Com ódio, mas não podia matá-lo. Nem me matar por sentir o que eu sentia, então resolvi sair, resolvi fugir, ir para bem longe, num lugar onde ninguém pudesse me encontrar...

Salto alto, preto, lindo... Ele teria achado sexy, mas não, não era pra ele... Estava escuro, não dava pra ver meus olhos vermelhos. Ah... eles são todos idiotas... O jeito de olhar era patético... Ao menos não se parecia com ele, embora tivesse o que eu queria... Ah, e como tinha... Mas quis saber meu nome, então tive que fazê-lo desistir da ideia... Que pena... era até bonitinho...

Espartilho e salto alto, preto, olhos vermelhos. Irresistível. Escuro. Olhares de cobiça – meus. Gravata e perfume de grife – adoro... Delícia... Mas quis saber de onde venho... estava tão quente e de repente ficou frio, gelado. Voei pra longe... Ah, como eu gosto disso!

Mas e ele? Sem mim deve estar quase morrendo... Só eu sei dar o que ele quer!

Escuro, sempre e ainda quero. Ainda estava quente, bem quente... Pra quê tanto desejo? Estava quente, bem quente, tanto que percebi mãos frias, firmes. Fingi gostar, mas o desejo – não o meu – era tanto que não resisti. “não dá pra contar quem sou, se contasse teria de matar você!” Se eu não quiser contar também... Mãos geladas... Prazer... Adoro isso!

Mas e ele? Logo vem me pedir perdão. Eu sei.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

LEMBRETE

Se procurar bem, você acaba achando
não a explicação (duvidosa) da vida,
mas a poesia (inexplicável) da vida.

Carlos Drummond de Andrade
ESTADO POÉTICO

Eu preciso de um chocolate... Não, não vou comer de novo, mas é que talvez o açúcar me ajude a contar essa historinha tão singela...

Eu subi no ônibus com a mente meio que vazia, mas em estado poético... Estava com bolsa e pasta. Na bolsa, necessidades urgentes sempre à mão; na pasta, meu arsenal teórico deste semestre de faculdade.

É hábito de algumas pessoas o ser gentil nos coletivos, especialmente se o alvo da gentileza é alguém que está em pé segurando uma pasta pesada (tá, nem tanto...), e o gentil em questão é um belo rapaz, sentado. Ele pediu para levar minha pasta. Parei então ao lado dele e percebi que ele conversava havia algum tempo com uma moça sentada ao seu lado, ele no corredor, ela próxima à janela.

Ele devia ter seus dezoito anos, ela talvez um pouco mais que ele. Mas nada era muito certo, eu não os conhecia... Até aquele momento em que passei a observar os dois.

Não eram namorados... Talvez nem amigos... Parecia se conhecerem a bem pouco tempo, o suficiente. Pelo que consegui ouvir, ela iria certamente descer antes dele, mas depois que cheguei (não que minha chegada tenha tido alguma importância), ao que me parece ela mudou de ideia e decidiu ir com ele a um lugar comum aos dois.

A cabeça dela estava baixa, evitando olhar para ele, que não parava de falar e de mexer as mãos.

Sei que isso é feio, não estou sendo muito correta ao falar assim da vida alheia, tão alheia, eu nem os conheço... Mas é que tem cenas que são tão belas que chegam a parecer presentes para nós, com a mente meio que vazia e estado poético.

Entre os dois havia tímidos sorrisos, tímidos olhares. Os dele demonstravam claramente sua intenção. Os dela eu não sei, mas tenho quase certeza de que correspondiam às intenções dele. Período de silêncio. Deles e meu. Disfarçadamente atenta e distraída para não incomodar. Novos sorrisos e algo cochichado ao ouvido. Quase deu para ouvir, mas me distraí tanto para que eles não percebessem que também eu não percebi.
Ao virarmos uma esquina, ele apontou o céu e comentou qualquer coisa sobre o efeito do sol nas nuvens, sobre a beleza do pôr-do-sol... Que homem no mundo faz comentários deste tipo, meu Deus?! Foi a prova de que eu precisava. Tinha realmente algo especial ali. Achei lindo. Ele também parecia estar em estado poético.
Não pude continuar a observá-los, estava ficando indiscreta demais. Meu ponto chegou, tive de descer.
Mas esta noite eles vão se beijar.

Bruna Girão

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